...O som disfarçado pelo barulho da vida que se anunciava
plena do lado de fora daquela janela lhe falava que já haviam se passado das
10:00 horas da manhã.
Há tempos não se
lembrava o que era estar em casa em um dia corriqueiro como este,a estas horas
e se enchendo de coragem para degustar o primeiro gole de um delicioso café preparado
por suas cansadas mãos.
Com os seus cabelos desalinhados e trajando apenas uma calcinha
que um dia considerou sexi e já gasta pelo tempo de uso,caminhou a passos
lentos até a mesa da cozinha e sentou-se calmamente em sua velha amiga e companheira
cadeira que hoje se encontrava roída por cupins e prestes a desabar ao menor
contato.
Um vento leve e frio percorreu seu corpo e por um puro
instinto de auto defesa levou as suas mãos tremulas e cansadas a proteger os
bicos dos seios que se encontravam endurecidos deixando em seu corpo um leve
arrepio que a percorria e acordava para a vida.
Levantando seu olhar,fixou a sua atenção em uma foto já sem
o brilho dos anos passados,e que a tempos atrás havia sido pendurada àquela
parede em meio a risos os quais o passar dos anos foi apagando o eco do fundo
de sua memória.
Esqueceu-se completamente da pequena caneca de louça com a
pontinha quebrada,na qual o café se esfriava lentamente e pequenos flashes de
uma vida a muito apagada de sua mente começaram a se desenhar perante seus
olhos nas pequenas sombras que se moviam na parede a sua frente.
Momentos de ternura
em que o olhar apenas em um determinado instante,conseguia transmitir
bem mais que se a própria boca se abrisse em palavras,as quais por determinados
momentos tornam-se vãs.
A lembrança de tantos dias passados em uma felicidade plena,fez
com que seu olhar se tornasse turvo com o prenuncio de que uma torrente de
lagrimas estava prestes a brotar de seu perdido olhar.
Respirou fundo estendendo a sua tremula mão para tocar a
caneca e se perguntou intimamente a quanto tempo não dava a si mesma o luxo de
que lagrimas viessem a sulcar a sua face,indo morrer salgadas em seus lábios ou
mesmo banhar os teus seios em flor.
O riso inocente de uma criança peralta ao longe e o
preocupado grito de uma mãe cuidadosa a levaram a um tempo quase apagado de sua
mente,em que acompanhava de perto as traquinagens dos pequenos(apenas um casal
de crianças espertas e arteiras,cheias de perguntas as quais ela nunca podia
dar as respostas e sempre com um par de braços que envolviam seu pescoço como
um belo colar de amor) que hoje já a um bom tempo não via e que enchiam seu
peito de saudades.
Um leve sorriso passou por seus lábios enquanto seus dedos
desenhavam a borda da caneca onde o café agora se tornara gélido e sem sabor.
Há meses que não via os filhos e uma saudade imensa dos
netos batia apressada em seu peito. Uma visita informal sem nenhum aviso estava
fora de seus planos por estes tempos e o que lhe restava era a lembrança doce de tantos momentos
felizes que um dia vieram a viver,
sempre unidos e felizes.
Felicidade...
Novamente se pôs a pensar o que poderia lhe dizer esta
palavra,tão buscada por tantos e nunca alcançada; e não soube encontrar em sua
mente a resposta e no intimo de seu peito ainda sentia bater forte a dor da
espera de um tempo o qual viu ser dissipado de sua vida todas as chances de se
chegar a ter fim,dor que machucava cada vez mais e que fazia sua idéia de
felicidade se tornar em apenas um nada.
Perdida em seus devaneios não percebeu nos anos já vividos e
guardados em sua mente, que haviam
moldado a sua forma de viver por todo o tempo que se encontrava atarefada
apenas no desejo louco de simplesmente a tudo esquecer pois por mais que a vida
queira prender nossa mente em situações passadas,temos aberta uma janela pela
qual nossos sonhos e desejos são liberados pela força do destino.
O tempo havia sido cruel consigo,não lhe dera a oportunidade
de ser feliz e ainda lhe tirara o que considerou por um bom tempo como a coisa
mais importante de sua existência,e presa neste pensamento,após tantos
anos,deixou que as lagrimas corressem livres por seu rosto,arrancando de sua
alma pequenos suspiros que transmitiam aquelas paredes manchadas todas as
manchas que sua alma carregava,com um sentimento de impotência e incerteza que
podia realmente um dia ter conseguido ser o seu mundo como havia sonhado quando
era apenas uma criança inocente em suas pequeninas brincadeiras com a pequena
boneca que um dia ganhara e que foi sua inseparável companheira...
Presa nestes momentos de reflexão sobre seu passado,ouviu o
ranger da porta da sala que se abria lentamente e então ela sentiu
primeiramente o perfume,que a muito não sentia. A sombra de seu corpo
acompanhou seus passos e então ele se postou a sua frente com duas pesadas
malas,que após um breve olhar em seu rosto ,ele veio a depositar com um baque
surdo ao chão. Não trocaram uma palavra sequer pois não havia necessidade. Suas
mãos se estenderam e tocaram o seu rosto ainda molhado de lagrimas e retiraram
uma mecha de cabelos que caira sobre seus olhos .
Então com aquele mesmo toque carinhoso de outrora,ele secou
a ultima lagrima que escorreu de seus olhos e teimou em ficar a dançar em torno
de seus lábios; conseguindo assim arrancar dela aquilo que de longe parecia ser
um esgar de um sorriso.
Sentado a sua frente,estendeu suas mãos castigadas pelo
tempo,tomou a caneca de café e sorvendo um gole,murmurou um leve
agradecimento,pendeu a sua cabeça para trás deixando-a ver o contorno de seu
queixo no qual uma rala barba dava sinais que o tempo tambem naquele corpo
havia chegado com toda a sua força e fúria.
Os reflexos de anos passados vieram a sua mente e pode ver
que o sentido de sua vida,de toda a sua busca hoje tivera uma explicação.
Então ele se levantou,tomou-a nos braços e a levou ate ao
seu quarto.
Nenhuma palavra conseguiram trocar,apenas se entregaram a
loucura de um amor simples,sem pressa e que preencheu todo o espaço do tempo
que haviam esperado por aquele reencontro,e nada mais era preciso a não ser
apenas aquele instante de um reencontro que a muito se havia esperado...
... a chuva fina que caia agora molhava o seu corpo e as
lembranças de tudo que vivera.
Há exatos 20 anos o único homem que amara em toda a sua vida
havia partido,com a promessa que um dia voltaria. A lembrança da manha anterior
ainda estava em seu corpo,que tremia a cada segundo. O momento do reencontro
fora mágico e estaria guardado em seu coração para sempre.
A ultima flor jogada naquela lapide fria coroava todos os
dias de sua vida a espera de que um dia pudesse novamente ser feliz ao lado de
seu amado,e de o fazer feliz como nunca havia feito...
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